Gungunhana





























Autor: Ungulani Ba Ka Khosa
Título: Gungunhana
Ano: 2018

É uma obra de um grande e conceituado escritor moçambicano Ungulani Ba Ka Khosa, composto por "sete" contos e seis fragmentos
O primeiro conto é intitulado Ualalapi, que relata a história da morte do rei de Gaza, Muzila, e a ascensão ao trono do seu filho Ngungunhana.
Segundo a tradição, com a morte de Muzila, quem devia ocupar o seu lugar era o seu filho mais velho Mafemane, mas Mundugazi mais tarde conhecido como Ngungunhana mandou seus guerreiros para acabarem com a vida de Mafemane, para que este não pudesse reivindicar o trono que era seu por direito.
Os guerreiros, que lá foram, fracassaram, pois Mafemane pediu para que o deixassem despedir-se da família.
Ao informarem isso ao Mundungazi, foram insultados por sua tia Damboia.
Novos guerreiros foram enviados para fazerem o serviço. Foram eles Mputa, Maguiguane e Ualalapi. Chegados lá, Mafemane estava pronto para morrer. Inicialmente os guerreiros não tinham a coragem para enfrentá-lo. De repente Ualalapi lançou uma lança que foi expectar no peito de Mafemane. De seguida saiu a correr. Só que chamaram-no para terminar o serviço. Feito isso, saiu correndo para a floresta. E tudo indica que a sua mulher e seu filho morreram afogados de lágrimas que não paravam de sair.   
O segundo conto tem como título A Morte de Mputa
Mputa fora um respeitado guerreiro de Ngungunhana que foi morto injustamente acusado pela Inkosikazi/esposa do rei por, segundo ela, tê-la desrespeitado, proferindo palavras injuriosas. Algo que não constituía a verdade, muito pelo contrário, a esposa do rei andava a cercá-lo, querendo-o no leito de sua cama.
Submetido ao julgamento em hasta pública, um dos conselheiros do rei aconselhou -no a cegá-lo no lugar de matá-lo. Mputa, quando lhe foi dado a oportunidade de defesa ele continuou dizendo-se inocente e ofereceu-se a tomar o mondzo, um ordálio venenoso usado naquelas terras.
Só que, para o espanto de todos, Mputa tomou e continuou intacto. Daí que chamaram-no de feiticeiro. Foi morto pelos guerreiros do rei. Morte vingada pela sua filha Domia, que assistira ao seu pai sendo morto injustamente. Na altura ela tinha 13 anos. Cinco anos depois, ela tentou matar o rei com faca. Tentativa frustrada, mas mesmo assim ela deixou-o com uma bela cicatriz na coxa direita, e ela acabou sendo morta.  

O terceiro conto intitula-se Damboia
O conto relata a história de Damboia. Tia de Ngungunhana, irmã mais nova de Muzila pai de Ngungunhana.
Damboia morreu de uma doença rara que nenhum curandeiro conseguiu curar. Trata-se de uma menstruação prolongada que durou cerca de três meses.
No segundo mês choveu tanto que o sangue escorreu até ao rio, contaminando as águas, matando todos os peixes e desalojando os crocodilos. Os velhos suicidaram-se, outros morreram de sede pois a água estava contaminada.
A quando da morte de Damboia, cinco homens fortes da aldeia ficaram impotentes para sempre.
Tudo indica que Damboia fora amaldiçoada pelos homens que mandou matar, só por terem desobedecido as suas ordens de deitarem-se em sua cama.

O quarto conto leva o título de Fragmentos ou Fragmentos de um Cerco
 Aqui temos os preparativos e a guerra entre os Ngunis e os Machopes, que culminou com a victória dos Ngunis. Essa guerra resultou em tantas mortes que, mesmo o próprio Maguiguana, um dos grandes guerreiros dessa luta, teve que pedir aos curandeiros para que o livrassem do cheiro dos mortos que carregava em seu corpo.

O quinto conto trata-se do Diário de Manua
Vinha escrito no diário, tudo o que aconteceu com ele durante o seu percurso para Lourenço Marques.
Manua, filho de Ngungunhana, era um assimilado. Tinha estudado ofícios, falava bem português e vestia-se como os brancos. Ele tinha abandonado os hábitos do seu povo, razão pela qual seu pai o amaldiçoou. Durante a viagem, comeu peixe, algo proibido na sua cultura. Tudo indica que tenha sido por isso que ele vomitou, inundando os corredores do navio e criando um mau cheiro. Nos vómitos vinham lá peixes bem grandes.
Alguns portugueses a bordo, agitaram o capitão para que o atirasse ao mar, mas este recusou-se pois tratava-se do filho do rei de Gaza.
O capitão mandou colocar dois guardas na porta do camarote de Manua para evitar que alguns passageiros enfurecidos o esfaqueassem.
Chegado a Lourenço Marques, Manua deambulou feito um sonâmbulo. Bebendo e fumando mbangui.
Seu irmão Buisanto conta que Manua bebia com muita sofreguidão devido ao feitiço dos bisavós que se irritaram por aqueles modos estrangeiros no andar, no vestir e no falar.
O pénis minguava de dia para dia. No dia da sua morte acordou sem nada entre as coxas e apanhou a maior bebedeira de sempre.
Ele morre em Março de 1895. Os guerreiros correram para informar o rei, mas este mandou que o enterrassem.
No penúltimo conto temos o Discurso do imperador de Gaza, Ngungunhana
O rei de Gaza proferiu um discurso que na verdade tratava-se do futuro tenebroso que o destino reservara ao povo Nguni.
Segundo ele, o povo cairia num autêntico abismo e o mal se alastraria entre eles.
Haveria ódio entre as famílias. Matar-se-iam uns aos outros.
Os homens de cor de cabrito esfolado, os brancos, ocupariam as suas terras, apropriar-se-iam das mulheres, estas serviriam de escravas sexuais. Fornicando dentro de suas próprias casas a vista dos seus actuais maridos.
Alguns entregariam suas esposas de bandeja para que servissem de objectos sexuais.
Começaria a nascer crianças com cor de mijo, crianças da infâmia.
Doenças jamais vistas surgiriam, muitos seriam convertidos a religião cristã, onde mudariam seus nomes e abandonariam os seus hábitos e costumes.
Segundo ele, todos seriam submetidos ao trabalho forçado, ao pagamento de imposto, alguns precisariam de um papel na mão para circular na sua própria terra.
Os que tivessem o azar de ser presos seriam obrigados a entregar o traseiro ou perseguiriam as crianças presas fazendo-as de mulheres.
Uma história distorcida seria contada sobre ele, Ngungunhana, às crianças nas escolas.
Muitos daqueles homens de cor de cabrito esfolado ficariam nas terras dos Ngunis e tornar-se-iam  irmãos, pois alguns aprenderiam as línguas locais, os hábitos, as danças, e com as mulheres Ngunis se casariam a vista de todos.
Faltaria chuva, todos correriam atrás de ratos e gafanhotos para se alimentarem e por fim acabariam comendo o peixe.
Eis  parte do discurso de Ngungunhana.
Assim foi o homem que foi exilado e acabou morrendo nos Açores vítima de doença em 1896.

 O último conto fala do destino que foi dado às sete esposas de Ngungunhana e três de Zilhalha.
Depois de prezo o imperador de Gaza por Mouzinho de Albuquerque, ele levou consigo para Lisboa sete das várias esposas que ele possuía. São elas: Muzamussi, Lhésipe, Namatuco, Malhalha, Phatina, Fussi e Dabondi.
Mas com a transferência do rei de Gaza para os Açores, ele foi obrigado a escolher uma dentre as sete, algo que ele recusou-se a fazer. Pois, segundo ele, ou seriam todas ou nenhuma.
Tendo-lhe sido recusado esse desejo, ele acabou indo sem nenhuma delas. Elas acabaram sendo enviadas para São Tomé. Umas foram trabalhar para o hospital militar e civil, outras foram trabalhar no palácio do governo como lavadeiras e passadeiras.
Levaram uma vida de cão. Algumas saíram se envolvendo sexualmente com outros homens, outras quebraram a tradição dos Ngunis de não comer o peixe. Algumas conseguiram manter-se intactas, como foi o caso de Phatina.
Em 23/12/1906 Ngungunhana perde a vida. Cinco anos depois suas esposas são deportadas para Lourenço Marques. Onde tornam-se autênticas desconhecidas. E são acolhidas por um jovem chamado Sibuko, empregado doméstico do governador.
Ele acolhe-as em sua humilde casa.
Namatuco, uma das esposas do então falecido rei de Gaza, que perdera o poder de contacto com os espíritos por se encontrar em terras desconhecidas e cercadas de água, ela recupera o seu poder.
Ela consegue estabelecer o contacto com os espíritos quinze anos depois de ter ficado fora. E ela revela para as suas irmãs do lar o que o futuro lhas reservava.
E cada uma sai para cumprir o seu destino.
E por fim temos os fragmentos
Importa referir que, a sequência não é bem esta, mas em suma os primeiros quatro fragmentos relatam a entrada dos invasores portugueses no reino de Gaza, até a prisão de Ngungunhana. No quinto fragmento temos o auto da entrega dos prisioneiros, Ngungunhana, seus oficiais e suas respectivas esposas.
No último fragmento temos as últimas palavras de Ngungunhana onde este prevê a escravidão do seu povo.



Nota do Leitor
Obra muito rica e de difícil acesso intelectual. Precisa de uma boa bagagem de conhecimento e/ou experiência pra entender o que se pretende transmitir. Várias vezes perdi-me lendo os textos, principalmente no último conto que fala do destino das mulheres do rei. Há um excesso de personagens que as vezes me confundiam.
Mesmo assim, pareceu estar a ouvir o escritor contando as histórias do seu tempo, pois alguns episódios são relatados com tanta precisão que dá a entender que muitos deles são reais. É realmente a história de um povo contada em forma de um romance com muita ficção.
Gostaria de um dia poder ouvi-lo contando as histórias que nos traz nessa obra.  

MS

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