Os Pedaços de Madeira de Deus
Autor: Ousmane Sembène
Título: Os Pedaços de Madeira de Deus
Título: Os Pedaços de Madeira de Deus
Ano: 2010
Os Pedaços de Madeira de Deus, "Les bouts de bois de
Dieu" no seu título original em francês, é um romance que retrata as
lutas dos trabalhadores dos caminhos de ferro da linha Dakar-Niger. Mais
especificamente, trata-se de uma homenagem do autor a uma lendária greve que,
num contexto muitíssimo desfavorável, aqueles ferroviários conseguiram lançar
e manter por mais de cinco meses, em pleno período de colonização
francesa. Se uma greve tão longa é dificilmente imaginável na maior parte dos
países do mundo, se-lo-ia ainda mais em África. A situação colonial, a
segregação racial, os maus tratos e as represálias sangrentas, tudo isso se
conjugava para desencorajar aqueles “pedaços de madeira de Deus” como se
designavam entre eles.
Uma greve não é exactamente uma festa. Não é apenas faltar
ao serviço, tocar apitos, panelas, tambores e dançar. Greve é sofrimento, mais
ainda num contexto colonial. Greve, sobretudo quando prolongada, é a fome, a
miséria. No caso da greve descrita neste romance, os rendimentos – na
esmagadora maioria dos casos assegurados pelos homens – já muito fracos,
desaparecem. Os grevistas poderiam contar, talvez, com amigos, vizinhos, para
se sustentarem... só que, em algumas cidades, a linha de caminho de ferro é o
único empregador (tivemos esses casos, em Moçambique, com cidades e vilas como
Chicualacuala, Mabalane, Inhaminga, Gondola e algumas outras). Nenhum vizinho,
nenhum amigo, nenhum parente pode, pois, ajudar.
Mais que a greve, são os sonhos da humanidade que são
pintada. A jornada encetada por homens e mulheres por melhores condições de
vida. Vemos, ao longo do livro, a luta das mulheres para alimentarem, mais ou
menos, a família. Estas mulheres que Sembene no-las pinta com especial ternura,
tão incansáveis elas foram, como "companheiras inseparáveis, do homem
engajado!", parafraseando o hino da mulher, aqui em Moçambique.
Todavia, se este livro ganhou uma dimensão universal e
constituiu-se num clássico da literatura africana é porque ele ultrapassa o
âmbito espácio-temporal da África. Este romance é um hino à luta dos homens de
todo o mundo por um ideal, por aquilo que eles consideram justo para as suas
famílias, para si próprios e para as gerações futuras.
A plasticidade dos seus personagens e a força pictórica que
caracteriza as suas descrições fazem-nos, quiçá, antever o cineasta que já
estava na forja quando este livro foi escrito. Ousmane Sembene não conta;
pinta, esculpe, o que transforma as suas descrições numa outra obra-prima deste
romance. Nem uma linha a mais. Mas os personagens não ficam atrás. Sente-se, em
muitos deles, a força, o poder, o carisma que caracterizam os actores de todas
as grandes obras produzidas por criadores de estirpe especial. Bakayoko será,
por ventura, o que mais se fixa nas nossas mentes após ler este poderoso
romance.
Gabriel Muthisse
Comentários
Enviar um comentário